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Frente as oscilações pluviais o Sistema Plantio Direto requer tecnologias de cunho hidráulico
4 de outubro de 2024
O controle da erosão depende da adoção de tecnologias de cunho hidráulico para conter a enxurrada - Foto: Luiz Magnante/Embrapa Trigo
Por José Eloir Denardin, Pesquisador da Embrapa Trigo
A chuva apresenta três propriedades fundamentais: intensidade, duração e frequência ou período de retorno, com variações em sua distribuição espacial. A intensidade da chuva refere-se à quantidade de água precipitada por unidade de tempo, sendo expressa em mm/h. A duração da chuva refere-se ao tempo contado desde o início até o fim da chuva, sendo expressa em horas ou minutos. O período de retorno da chuva, refere-se ao tempo médio a ser transcorrido para que uma determinada chuva seja igualada ou superada, em pelo menos uma vez, sendo expresso em anos. E a distribuição espacial da chuva refere-se à variação das grandezas de suas propriedades de uma localidade para outra.
A intensidade da chuva e a duração da chuva associadas à taxa de infiltração de água no solo e ao volume de água armazenável pelo solo estabelecem a produção ou não de enxurrada. Em ocorrendo enxurrada, essa associação define, respectivamente, a taxa de enxurrada e o volume de enxurrada. Portanto, a frequência com que chuvas produzem enxurradas depende tanto da intensidade e da duração da chuva quanto da taxa de infiltração de água no solo e do volume de água armazenável pelo solo. De outro modo, enquanto a intensidade da chuva (mm/h) produz enxurrada ao superar a taxa de infiltração de água no solo (mm/h), a duração da chuva produz enxurrada ao precipitar volume de água superior ao volume de água armazenável pelo solo.
Na região de clima subtropical do Brasil, chuvas intensas e de longa duração, embora mais frequentes nos anos de El Niño, podem ocorrer em qualquer dia do ano, inclusive no decorrer dos anos de La Niña. De modo similar, períodos de estiagem, embora mais frequentes nos anos de La Niña, podem ocorrer em anos de El Niño e também nos anos com ausência desses fenômenos relativos à pluviosidade. Isso significa que a ocorrência de enxurrada e de estiagem são fatos rotineiros e sem previsões assertivas. Por esse motivo, tanto a erosão hídrica quanto a escassez de chuva são fatores de risco ao desempenho agrícola, ditados por probabilidades e incertezas que requerem medidas de prevenção. Porém, enfatiza-se que toda tecnologia promotora de prevenção ao risco de perda de água por enxurrada ou de ocorrência de erosão hídrica promove o armazenamento de água no solo, resultando, também, como promotora de prevenção ou amenizando O risco de perda de produtividade dos sistemas de produção por estiagem. Nesse contexto, diante das oscilações pluviais que caracterizam a região subtropical do Brasil, o desenvolvimento e a adoção de tecnologias de cunho conservacionista remetem à priorização daquelas promotoras de prevenção de risco à ocorrência de enxurrada e, por consequência, à estiagem.
A erosão hídrica é resultante da interação dos seguintes fatores: propriedades da chuva; comprimento da vertente; declividade da vertente; susceptibilidade do solo à erosão; manejo das culturas; e práticas mecânicas de cunho hidráulico. Na inter-relação desses fatores, enquanto as propriedades da chuva, o comprimento da vertente e a declividade da vertente são os componentes produtores da energia responsável pelos processos erosivos, a susceptibilidade do solo à erosão, o manejo de culturas e as práticas mecânicas de cunho hidráulico são os componentes responsáveis pela dissipação da energia potencialmente produtora de processos erosivos. A erosão hídrica, assim interpretada, é, efetivamente, o trabalho mecânico resultante da energia incidente sobre o solo que foi parcialmente dissipada.
O potencial erosivo da chuva se expressa tanto pela energia cinética oriunda da ação de impacto das gotas de chuva que tocam a superfície do solo quanto pela energia cinética oriunda da água da chuva não infiltrada no solo e que fluí na superfície do solo com ação cisalhante ou de arraste. Cada um desses agentes produtores de energia, potencialmente capazes de provocar erosão, requer medidas de prevenção específicas. A energia da ação de impacto das gotas de chuva, com poder de dispersar o solo e transportar partículas, é prevenida pela tecnologia da cobertura do solo. A energia de ação cisalhante ou de arraste da enxurrada, com poder de remover a cobertura do solo, dispersar o solo e transportar partículas, é prevenida pelas tecnologias que impõem barreira ao escoamento da enxurrada ao longo da vertente.
Embora a cobertura do solo dissipe a energia erosiva de impacto das gotas de chuva, a partir de determinado comprimento de vertente se torna insuficiente para prevenir a erosão. Isso ocorre porque a água não infiltrada no solo se transforma em enxurrada e passa a escoar sob a cobertura do solo, produzindo energia erosiva cisalhante ou de arraste, com potencial de superar a tensão de cisalhamento do solo e desencadear processos erosivos. Mantendo-se constantes todos os fatores relacionados à incidência e à dissipação da energia erosiva da chuva e aumentando-se apenas o comprimento da vertente, tanto a velocidade quanto o volume de enxurrada produzidos por determinada chuva elevam o risco de ocorrência de erosão. Em outras palavras, a cobertura do solo é capaz de dissipar em até 100% a energia de ação do impacto das gotas de chuva, mas não revela essa mesma eficácia para dissipar a energia de ação cisalhante ou de arraste produzida pela enxurrada que flui sob a vegetação que cobre o solo.
Do exposto, é evidente que a enxurrada é o principal e o mais relevante agente responsável pelo processo erosivo que ocorre em talhões de lavouras manejadas sob Sistema Plantio Direto. A partir dessa constatação, toda prática conservacionista capaz de seccionar o comprimento das vertentes ou capaz de impor barreira ao escoamento da enxurrada, mantendo-o restrito a limites em que a tensão crítica de cisalhamento do solo não seja superada pela energia cisalhante ou de arraste da enxurrada, estará contribuindo para prevenir ou minimizar os processos de erosão hídrica. Semeadura em contorno e terraço agrícola são exemplos de práticas conservacionistas de cunho hidráulico eficazes para seccionar o comprimento de vertentes ou impor barreira ao escoamento da enxurrada, e, por esse motivo, requeridas como aliadas à cobertura do solo para o controle efetivo da erosão em talhões de lavouras manejadas sob Sistema Plantio Direto. Ademais, essas práticas conservacionistas, requeridas como tecnologias de cunho hidráulico associáveis ao Sistema Plantio Direto, maximizam a retenção da água da chuva pelo solo, armazenando-a e disponibilizando-a para as plantas nos períodos de estiagem.
A água retida no solo por essas tecnologias de cunho hidráulico infiltra no solo, irriga a área do talhão de lavoura à jusante e demora cerca de três ou mais meses para atingir o lençol freático e, em decorrência, alimentar os mananciais hídricos, inclusive aqueles de superfície. É água útil. De modo oposto, a água que escoa em sulcos ou em entre sulcos de modo imperceptível através da vegetação que cobre o solo em talhões de lavoura sem a adoção dessas tecnologias de cunho hidráulico, não é armazenada no solo, não serve às plantas, não abastece o lençol freático e, em poucos minutos, atinge os mananciais de superfície, poluindo, contaminando e causando danos econômicos, ambientais e sociais, que, na prática, são imensuráveis. É água perdida.
A semeadura, com as linhas de plantio dispostas morro acima e morro abaixo, largamente e erroneamente adotada no Plantio Direto, em razão de conhecimentos exíguos e limitados referentes à funcionalidade das tecnologias de cunho hidráulico diante dos processos implicados na erosão hídrica, ao direcionar e conduzir o fluxo da enxurrada para o sulco de semeadura, eleva a sua energia de ação cisalhante ou de arraste, tornando-se na principal causa da erosão hídrica que ocorre nessa modalidade de manejo. Ao contrário, a semeadura em contorno, com as linhas de plantio dispostas transversalmente ao sentido do declive, cria barreiras ao livre escoamento da enxurrada, reduzindo sua velocidade e sua capacidade de remover a cobertura do solo, de dispersar o solo e de transportar partículas, oportunizando maior infiltração da água no solo e, por consequência, menor enxurrada e/ou enxurrada com menor energia erosiva.
A eficácia da semeadura em contorno, no controle da erosão hídrica e na retenção da água da chuva onde ela cai, armazenando-a e disponibilizando-a para as plantas nos períodos de estiagem, pode ser maior que aquela proporcionada pela cobertura do solo. E, quando comparada à semeadura morro acima e morro abaixo, pode reduzir em mais de 50% as perdas de solo e água por erosão, ou seja, ser mais eficaz do que um baixo índice de cobertura de solo, e, em adição, contribuir para prevenir ou amenizar o déficit hídrico das plantas em períodos de estiagem.
O terraço agrícola, até meados da década de 1990, era dimensionado mediante a aplicação de método empírico, desenvolvido nos EUA, com base em dados genéricos de solo e chuva oriundos de região de clima temperado, concedendo suporte inadequado para a sua implementação em regiões de clima subtropical e tropical do Brasil. A partir de 1995, esse método foi aprimorado e informatizado aqui no Brasil, passando a empregar dados de solo, com especificidade para o talhão da lavoura que receberá o terraço agrícola, e dados de intensidade, duração e período de retorno de chuvas específicos da região ou do município ou do próprio estabelecimento rural, quando detentor de série histórica de registros de chuva da ordem de 30 anos, tornando o terraço agrícola uma obra hidráulica precisa, segura e de inestimável contribuição para a conservação do solo e da água.
A título de ilustração, no Rio Grande do Sul, há lavouras conduzidas sob Sistema Plantio Direto complementado pelas tecnologias da semeadura em contorno e do terraço agrícola projetado e construído mediante o emprego do método de dimensionamento aprimorado e informatizado no Brasil. Esses terraços, implementados há mais de 25 anos, promoveram, ao longo desses anos, a infiltração de, praticamente, 100% do volume total da água das chuvas que tocaram a superfície do solo dessas lavouras. Em decorrência, propiciaram ainda a adoção da adubação das culturas com base na reposição dos nutrientes exportados nos grãos, pois as perdas de fertilizantes e de nutrientes, provocadas pela erosão hídrica, cessaram. Essa modalidade de adubação tem propiciado, em média, mais de 30% de redução das doses de adubo por safra agrícola, por estarem sendo estimadas de modo proporcional à produtividade do cultivo antecedente, isto é, proporcional à quantidade de nutrientes exportados nos grãos colhidos. Além disso, a calagem, realizada por ocasião da construção dos terraços agrícolas, com incorporação do calcário, via aração na camada de 0 a 20 cm de profundidade, seguindo, com rigor, as indicações técnicas de calagem e adubação para os estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, somente foi novamente requerida após cerca de 10 a 12 anos, em conformidade com a interpretação dos resultados das análises de solo realizadas.
Os ajustados e informatizados métodos de dimensionamento do terraço agrícola consideram: as propriedades fundamentais das chuvas estimadas para a região, ou para o município, ou para o próprio estabelecimento rural; a taxa de infiltração de água no solo; a declividade da vertente do talhão de lavoura a receber os terraços agrícolas; e o volume de água armazenável pelo canal do terraço a ser construído. A taxa de infiltração de água no solo e o volume de água armazenável pelo canal do terraço se destacam como os fatores responsáveis pelo dimensionamento de maior ou menor espaçamento entre os terraços. Quanto maior a taxa de infiltração de água no solo e maior o volume de água armazenável pelo canal do terraço, maior será o espaçamento entre os terraços. Os espaçamentos entre terraços agrícolas, que sob o método de dimensionamento utilizado anteriormente ao ano de 1995 oscilavam entre 15 e 24 m, respectivamente, para as declividades de 20 e 5%, sob o método ajustado e informatizado e disponibilizado pela pesquisa brasileira, oscilam, em média, entre 45 e 120 m, para essas mesmas declividades. O espaçamento entre terraços limitado a 120 m decorre da energia cisalhante ou de arraste da enxurrada que, em termos gerais, a partir de 120 m, mesmo em vertentes com declividades inferiores a 5%, pode superar a tensão de cisalhamento do solo e desencadear, entre os terraços, processos erosivos tanto em entre sulcos como, até mesmo, em sulcos.
É relevante enfatizar que elevadas taxas de infiltração de água no solo, indutoras do desejável maior espaçamento entre os terraços agrícolas, decorrem da diversificação de culturas, obrigatoriamente, praticadas com a inclusão de plantas de serviço, com o objetivo de, não apenas cobrir o solo, mas também de introduzir no solo volumosas quantidades de raízes robustas e espessas, hábeis para criar e estabilizar a estrutura do solo e aumentar e manter a porosidade e a continuidade dos poros do solo. As plantas de serviço que apresentam essas habilidades são as gramíneas de verão, que podem ser cultivadas no período outonal, que transcorre entre a colheita do cultivo de verão e a semeadura do cultivo de inverno. No Rio Grande do Sul, dentre essas gramíneas, destacam-se o milheto, o capim Sudão, o sorgo, o próprio milho e, até mesmo, a braquiária, que para prestar esses serviços necessitam ser semeadas em altíssima densidade e com o menor espaçamento possível entre as linhas de plantio, que comumente é de 17 cm. Esse cultivo de outono vem se consolidando como o cultivo da construção e da manutenção da fertilidade do solo, que, além dessas benesses apontadas, não limita a possibilidade da realização dos cultivos de verão e de inverno, com produção de receita direta ao produtor rural.
A seção do canal do terraço agrícola, também responsável pelo maior ou menor espaçamento entre os terraços, em função de sua capacidade de armazenamento de água, é resultante da dimensão dos taludes do camalhão do terraço, que obrigatoriamente deve ser projetado a partir da bitola do rodado e da largura da plataforma de corte da colhedora de grãos. Portanto, a seção do canal do terraço agrícola não obedece a tabelas pré-estabelecidas. É particularizada para cada estabelecimento rural, em função das dimensões da colhedora de grãos que utiliza. Exemplificando: no caso de uma colhedora de grãos equipada com plataforma de corte de 20 pés (6,1 m) e bitola do rodado de 2,8 m, os taludes do camalhão do terraço deverão medir 4,4 m; já no caso de uma colhedora de grãos equipada com plataforma de corte de 30 pés (9,1 m) e bitola do rodado de 3,12 m, os taludes do camalhão do terraço deverão medir 6,1 m.
Por fim, ilustrando a influência da variação da distribuição espacial de chuvas, de uma localidade para outra, no dimensionamento de terraço agrícola, segue uma simulação dimensionando o espaçamento entre terraços projetados a partir de uma chuva com período de retorno de 20 anos, para os municípios de Cruz Alta e Passo Fundo, RS, qual seja: um terraço agrícola, projetado em nível e para reter a enxurrada produzida por uma chuva com 20 anos de período de retorno na região de Cruz Alta, a ser implementado no município de Cruz Alta, em um talhão de lavoura caracterizado por uma vertente com 10% de declividade, taxa de infiltração de água no solo de 50 mm/h, profundidade do canal do terraço com 0,72 m e taludes do camalhão do terraço com 6,1 m, requer 70 m de espaçamento entre os terraços; esse mesmo terraço agrícola, projetado em nível e para reter a enxurrada produzida por uma chuva com 20 anos de período de retorno na região de Passo Fundo, a ser implementado no município de Passo Fundo, em um talhão de lavoura com as mesmas características do talhão de lavoura de Cruz Alta, requer 120 m de espaçamento entre os terraços. Essa desigualdade do espaçamento entre terraços, exemplificado entre as localidades de Cruz Alta e Passo Fundo, demonstra a diferença entre os métodos anterior e atual utilizado para dimensionar terraços agrícolas, pois o método anterior se resumia à aplicação de uma tabela de espaçamento vertical entre terraços, desenvolvidas nos EUA, sem qualquer referência às variações das propriedades da chuva de uma localidade para outra. Terraço agrícola, dimensionado e implementado, seguindo a metodologia aprimorada, informatizada e disponibilizada a partir de 1995, com acesso livre na internet, considera as propriedades da chuva e sua distribuição espacial, detendo, assim, probabilidade de segurança similar àquela atribuída às hidroelétricas, por exemplo.
Ante a essa conjunção de fatores impostos pela oscilação pluvial recorrente na região subtropical do Brasil, o Sistema Plantio Direto, detentor de tecnologias, exclusivamente de cunho vegetativo, exige a adoção de tecnologias complementares de cunho hidráulico que promovam, ao máximo, a retenção da água da chuva onde ela cai, seja para prevenir ou amenizar a erosão hídrica, seja para armazená-la e disponibilizá-la às plantas nos períodos de estiagem. Do exposto, é notório que a eficácia atribuída ao Sistema Plantio Direto em promover conservação do solo e da água, em consonância aos preceitos ditados pelo conservacionismo, ainda está na dependência da adoção de tecnologias complementares de cunho hidráulico, com habilidades para otimizar a utilização, o uso e o manejo da água das chuvas que toca a superfície do solo.
Fonte: https://plantiodireto.org.br
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